Escola particular é empresa (mas esqueça o que você sabe sobre as empresas)
Tanto para os agentes externos quanto para os internos ao mercado, a compreensão de que uma escola particular é uma empresa e, portanto, deve ser regida pelas regras do sistema capitalista, se mostra relativamente turva. Quem está de fora acredita, em geral, que as escolas são concessões do Governo que se utilizam desta benesse para ganhar rios de dinheiro. Quem está dentro acredita na existência de métodos absolutamente peculiares a cada empresa para lidar com as questões que, em geral, são comuns a todas – o que subverte, em boa parte das vezes, a lógica do sistema, fazendo com que o comportamento do mercado seja diferente do que seria esperado de acordo com a teoria econômica pura. Tem sido muito comum observar a dificuldade que é encontrada por administradores com larga experiência em outros setores que são contratados por escolas. Na mesma medida, administradores escolares costumam encontrar sérias dificuldades de adaptação a empresas de outros mercados. O primeiro ponto a destacar a respeito é relativamente óbvio, mas nunca é demais lembrá-lo: escola particular é, sim, uma empresa, e como tal tem de saber lidar com os mesmos desafios das empresas de outros setores.
Destacada esta obviedade, como entender, então, que as visões dos agentes sempre acabem indicando para o caminho inverso?
Apesar de responderem às mesmas regras e aos mesmos desafios, as escolas são, realmente, empresas diferenciadas. O volume de peculiaridades deste setor é assustador. Para qualquer lado que se olhe, serão observados conjuntos de características que diferenciam as escolas dos demais setores. Para um entendimento para aprofundado sobre a questão, podemos analisar algumas destas peculiaridades.
A prestação de serviços é contínua e os clientes se reúnem todos os dias. Durante um ano inteiro a escola presta serviços ao mesmo grupo de clientes, com pouquíssimas variações; mesmo ao longo de vários anos, um expressivo grupo de clientes se repete. Além disso, eles se reúnem todos os dias na porta da escola, formando um grupo polarizador de opiniões que faz com que a velocidade de comunicação entre os clientes seja infinitamente maior do que em outros setores da economia.
.Os diferenciais são pouco palpáveis. A competição entre escolas é tão ou mais acirrada do que em outros setores; porém, a linguagem específica do setor educacional faz com que os clientes tenham dificuldade em saber estabelecer parâmetros de comparação entre as escolas. No discurso padrão, em geral, as escolas são quase todas praticamente iguais. Apesar de, na prática, serem bem diferentes.
. A relação com o cliente é absolutamente pessoal. O grau de conhecimento que a escola tem de ter sobre seus clientes transcende qualquer outro setor. O grau de confiança que o cliente tem de ter na escola também é o maior possível. Isso cria um ambiente propício à pessoalidade, a qual, via de regra, acaba mais por prejudicar do que por ajudar o bom andamento das questões de relacionamento empresa-cliente.
. O serviço prestado pela escola sempre tem peso significativo no orçamento familiar. As famílias que optam por ter filhos em escolas particulares normalmente sacrificam outros itens de seu orçamento na busca da melhor opção possível. O esforço feito pelos clientes para poder pagar pelos serviços prestados lhes confere, da ótica deles mesmos, a prerrogativa de se posicionar como exigentes ao máximo, beirando, em muitos casos, a intromissão em assuntos estratégicos da escola.
. Os modelos de avaliação interna são muito raros. Em outros setores é absolutamente comum que todos os funcionários sejam constantemente avaliados, de forma objetiva, por seus superiores, bem como o próprio serviço da empresa seja submetido a avaliação formal perante a clientela. Em escolas estes procedimentos são muito raros. Poucas se dão ao trabalho de perguntar a seus clientes quais são seus pontos fortes e quais são os fracos. Fazer pesquisa com ex-clientes, então, nem pensar. Internamente, os focos de resistência à implantação de avaliação de desempenho são inúmeros. Em muitas ocasiões, parece que educação e avaliação só combinam se o conceito se aplicar somente aos alunos.
. A decisão sobre preços é anual e irrevogável. Estratégias de vendas de curto prazo, como promoções de menor preço ou descontos por indicação, passam longe das escolas. A legislação específica amarra as escolas, no que se refere a estratégias mais agressivas de mercado. Caso não se obtenha a resposta esperada por uma ação deste tipo, ela só pode ser revertida após um ano, período durante o qual o fluxo de caixa tem de se sustentar sozinho. O risco é elevado demais para impulsionar as escolas à diversificação da política comercial.
. O marketing é extremamente diferenciado. O grau de profundidade da relação entre escola e cliente faz com que os métodos tradicionais de divulgação de marca, como out-doors e distribuição massiva de malas diretas, sejam pouco producentes. Os marqueteiros do setor educacional precisam queimar um pouco mais as pestanas, pois as saídas, neste setor, são quase sempre bem heterodoxas.
. A composição dos custos tem um componente fixo muito forte. Neste aspecto as escolas se parecem com as companhias aéreas. A flexibilidade de seus custos perante as variações da demanda é muito pequena. Isto faz com que tenha poucos recursos à mão para racionalizar sua operação, no caso de contenção da demanda. As companhias aéreas, porém, podem apostar nas promoções focadas de preço, instrumento de que as escolas, como já vimos, não dispõem. Por isso, administrar um orçamento em uma escola com demanda acima do ponto de equilíbrio é uma tarefa relativamente fácil. Já o contrário é um pesadelo. O gestor sabe que, iniciando o ano abaixo do equilíbrio, provavelmente esta situação só poderá ser revertida no ano seguinte. As ações práticas existem, mas têm alcance limitado.
. A cultura empresarial não privilegia o lucro. Como a maior parte dos donos de escola são educadores, o foco principal de suas ações acaba não sendo o lucro. Em boa parte das vezes, do ponto de vista de rentabilidade o resultado obtido está muito aquém do desejável, mas ainda assim o mantenedor considera realizado seu objetivo como empresário, que é o de oferecer uma educação de qualidade ao seu público cativo. Isso provoca certas distorções no mercado. Ao contrário do que previra Adam Smith, no mercado do ensino privado nem todas as ações têm por finalidade maximizar o retorno do investimento.
. Há forte relação de pessoalidade entre empresa e empresário. As escolas em geral são familiares e seus donos participaram ativamente de sua construção e crescimento. Isso explica uma dose exagerada de relação emocional entre criatura e criador. O mercado de escolas passa por uma crise de excesso de oferta há cerca de 10 anos, que atinge a todos e obrigaria a redução na oferta de vagas. Esta redução se daria se duas maneiras – fechamento ou fusão entre escolas. Em outros setores isso se dá de forma muito mais fácil e natural. Nas escolas, muitas vezes vender a empresa é encarado como vender um filho. Todas as fichas – e um pouco mais – costumam ser apostadas na manutenção do
status quo atual. A resistência a mudanças estruturais é gigantesca.
Como se pode notar, as escolas são, sim, empresas; mas, para entendê-las por completo, é recomendável alguma experiência no setor. Equívocos homéricos já foram cometidos com a
simples importação de receituários provenientes de outros setores.
A Corus Consultores trabalha com assessoria nas áreas econômica, financeira e administrativa para escolas particulares há quase 20 anos. Este longo período de tempo analisando com profundidade as questões que dizem respeito ao setor, bem como a gestão particular de cada uma das escolas atendidas, permitiu um bom entendimento sobre a dinâmica que rege as relações neste mercado.
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