A legislação e o cronograma de matrículas
O sistema de precificação atualmente vigente no setor do ensino privado básico já tem mais de 10 anos e, neste período todo, tem se mostrado um sucesso do ponto de vista do atendimento das necessidades e expectativas de escolas e de pais de alunos. De seu lado, as escolas podem fixar livremente seus preços, desde que comuniquem antecipadamente os pais de alunos; já os pais têm a garantia de que pagarão um valor fixo durante todo o ano letivo.
Esse sistema, aparentemente simples, foi uma conquista das escolas após anos e anos de luta. A realidade que vigorava antes do advento dessas novas regras era o que se podia chamar de anti-sistema: as escolas fixavam seus valores em contratos, mas sua a sua aplicação navegava de acordo com os interesses políticos dos legisladores, de um lado, e conforme os humores da economia e, em especial, da inflação, de outro.
Foram tempos amargos, do ponto de vista do gerenciamento do relacionamento com os clientes. Duras lições foram aprendidas e ainda hoje são usadas. Apesar disso, a pacificação conquistada a partir de 1.996 veio para ficar.
Mais importante do que a tranquilidade no relacionamento com os pais de alunos, a liberdade de fixação de preços trouxe uma maior capacidade de planejamento estratégico para as escolas. Essa é uma variável fundamental para o sucesso de empreendimentos no sistema capitalista.
As especificidades da relação entre empresa e cliente no setor do ensino privado, no entanto, exigiram que se elaborasse uma série de regras exclusivas para regulamentá-la. São regras que só existem para o ensino privado e estão presentes na Lei 9.870, proposta como Medida Provisória em 1.996 e aprovada pelo Congresso Nacional em novembro de 1.999.
Apesar de ser uma lei relativamente curta – tem apenas 12 artigos -, sua aplicação gera alguma controvérsia de interpretação, em especial no que se refere a alguns aspectos específicos que regem o relacionamento com a clientela. Elegemos quatro desses aspectos para desenvolver um entendimento mais detalhado a respeito, da ótica do ensino regular básico. São questões que costumam gerar dúvidas entre os mantenedores, nesta época de abertura de processo de matrículas.
1) Prazo para o processo de matrículas. É bastante difundido entre as escolas o prazo de 45 dias para duração do processo de matrículas. O que gera um certo desentendimento, porém, é o efetivo significado desse prazo. Muitas escolas confundem esta obrigatoriedade com as datas fixadas para pagamento de reserva de vaga ou para cobrança da efetivação de matrícula. O que a lei prevê é simples: os pais de alunos da escola têm direito a ter acesso às condições para a rematrícula (preços e demais condições contratuais) 45 dias antes da data final para esta matrícula. Isso significa que, uma vez divulgadas essas condições contratuais, a escola não pode negar matrícula a nenhum aluno que já seja seu alegando perda de prazo ou falta de vagas. Olhando por outro prisma, as escolas só podem abrir vagas para alunos novos em salas que estejam lotadas após o decurso deste prazo para os alunos atuais.
Isso não quer dizer, no entanto, que as escolas precisam esperar todos os 45 dias para atuar com suas ações de matrícula. Esse conceito já começa a se aplicar na cobrança da reserva de vaga. Esse instrumento foi criado para permitir um melhor planejamento às escolas. Trata-se de um sinal que os pais de alunos dão mostrando seu interesse pela vaga. Esse sinal é descontado da anuidade do ano seguinte e deverá ser restituído ao pai do aluno, caso ele desista da matrícula ainda dentro do prazo legal. Essa condição permite que a escola desvincule a cobrança da reserva de vaga do início efetivo da contagem do prazo para processo de matrícula.
Sendo assim, o prazo de 45 dias começa a contar não quando da cobrança da reserva de vaga, mas somente quando da divulgação dos preços para o ano seguinte. Nesse momento, as escolas devem comunicar as condições financeiras para os pais através de circular, e manter, na Secretaria da Escola, o texto do contrato e o número de vagas para cada série.
A partir da divulgação dos preços do ano seguinte, os pais, pela lei, têm 45 dias para “pensar no assunto”. As escolas não podem obrigá-los a decidir antes. Se um pai chegar no 45º dia e obedecer às demais condições para fazer a rematrícula, a escola terá de acolhê-lo. Isso não significa, contudo, que a escola tenha de se abster de fazer ações de incentivo à matrícula no decorrer desses 45 dias. Estrategicamente, é fundamental que ela tenha condições de saber, tão antecipadamente quanto possível, como está sua demanda. Muitas vezes, esperar pelo mês de dezembro para tomar alguma atitude pode ser fatal. Por isso, ações de incentivo à antecipação de matrícula pelos pais são recomendáveis.
De qualquer forma, é fundamental salientar que não estão proibidas as matrículas de alunos novos durante a vigência desses 45 dias. A escola só precisa tomar todo o cuidado para não aceitar alunos em salas lotadas, pois os pais dos alunos atuais têm prioridade garantida por lei, dentro desse prazo.
2) Número de parcelas da anuidade. A lei é clara ao definir que o que a escola estipula é uma anuidade, que será dividida em parcelas ao longo do ano. O conceito de “mensalidade”, portanto, é estranho à lei e faz parte da nomenclatura de relacionamento direto entre escolas e clientes. A lei faz, contudo, uma menção direta a um número específico de parcelas da anuidade: 12. Isso significa que as escolas devem oferecer um plano de pagamento aos pais que corresponda à divisão da anuidade em 12 parcelas. Sabe-se, porém, que a grande maioria das escolas opta pela cobrança da anuidade em 13 parcelas – matrícula mais 12. Isso não é vedado pela lei – pelo contrário, ela é explícita ao dizer que são facultados outros planos de pagamento, desde que o valor da anuidade não exceda o de 12 parcelas. As escolas podem, portanto, oferecer vários planos de pagamento – à vista, em 3 vezes, em 12 ou em 13. O único obrigatório, por lei, é o de 12. Além disso, nenhum outro plano pode ser mais caro do que o de 12 vezes. Esse fato, por si só, já seria um incentivo aos pais a optarem por outros planos, como de 13 parcelas, em detrimento do de 12. Para as escolas, devido às especificidades de seu fluxo de caixa, o plano de 12 vezes fica mais vantajoso se oferecido como matrícula mais 11, vencendo essas 11 parcelas de janeiro a novembro.
3) Inadimplência. A lei cria uma facilidade e uma dificuldade para as escolas particulares. A facilidade: as escolas estão desobrigadas a renovar a matrícula de alunos que estejam inadimplentes. Parece lógico, mas foi preciso um imenso trabalho de convencimento junto ao legislador para que isso fosse aprovado. A dificuldade: as escolas não podem interromper o contrato durante o ano letivo por motivo de inadimplência. As escolas podem usar outros artifícios, como negativação de nome do pai (desde que previsto em contrato) ou cobrança jurídica, mas o aluno não pode ser prejudicado. Durante todo o ano letivo, alunos adimplentes e inadimplentes devem receber o mesmo tratamento da escola. Essa é uma medida polêmica que atormenta as escolas, pois as coloca no final da fila de prioridade de pagamento das famílias. Mas não há brechas na lei quanto a isso.
4) Divulgação de planilhas. Já são longínquos os tempos em que as escolas tinham de mostrar ou aprovar planilhas de custos para poder praticar seus preços. A lei prevê a confecção de planilha, mas não determina que seja mostrada a ninguém, muito menos que seja aprovada para que a escola possa praticar os preços fixados. Pelo contrario, a lei é clara ao prever a instância e a situação em que as planilhas serão necessárias: somente a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça poderá fazer esse pleito a uma escola, e o fará quando julgar necessário. Salvo essa hipótese, as escolas não estão obrigadas, e de fato não devem fazê-lo, a divulgar suas planilhas de custos a quem quer que seja.
Feitos esses esclarecimentos, desejamos a todas as escolas que tenham um excelente processo de matrículas, de preferência marcado por muitos e muitos alunos.
(Imagem: shark_749/iStock.com)