A arte da concessão das bolsas
A concessão de descontos voluntários para alunos cujas famílias requerem redução no valor da anuidade é uma das rotinas mais freqüentes na administração financeira de uma escola particular. Ao longo dos últimos anos, essa atividade vem demandando um tempo cada vez maior da equipe de trabalho envolvida com esta tarefa.
E não é para menos. Por um lado, as escolas, salvo honrosas exceções, vêm experimentando um incremento constante no volume de pedidos de bolsas. Por outro lado, a quantidade de concessão de bolsas é um dos indicadores mais sensíveis para o orçamento de uma escola. Concessões que, individualmente, são aparentemente pequenas, como as de 10%, quando somadas a tantas outras que ocorrem acabam significando demais para um setor cuja média de rentabilidade líquida mal chega aos 5% da receita.
Há de se destacar, também, o feroz aumento na competição entre as escolas. Com o já sobejamente comentado desequilíbrio entre a evolução da oferta e a da demanda no setor, com crescimento acelerado da primeira e estagnação da segunda, os alunos são, cada vez mais, disputados como mercadoria preciosa. Nesse jogo, muitas vezes, vale tudo – e a concessão de bolsas é um dos instrumentos mais utilizados para reter os próprios alunos e/ou captar os dos concorrentes.
A concessão agressiva de bolsas, porém, se mostra, na maioria dos casos, uma medida nociva para a própria escola em um prazo não muito longo. Não há como imaginar que cada ato de concessão seja um fato rigorosamente isolado. Não é. Os pais de alunos se conversam e a estratégia de concessões desenfreadas se torna de conhecimento público rapidamente. Em muitas escolas, hoje, bem mais da metade dos alunos goza de algum desconto. A anuidade da escola, desta forma, se transforma em um preço de tabela, de referência, sem muito significado prático. Todos os pais, mesmo os que não precisam, se sentem compelidos a pedir algum desconto – já que boa parte de seus pares foi contemplada e é evidente que a chance de ser feliz no pleito é muito grande, sem nenhum ônus visível.
Esta situação se proliferou de tal forma que o momento das escolas, agora, já é outro. O volume de bolsas concedidas, antes de uma forma de preencher a ociosidade das salas, se transformou em um fardo que as instituições têm demonstrado dificuldade em carregar.
Agrava este quadro a injustiça estrutural que se esconde por detrás da concessão de descontos: quanto mais se concede, mais cara a escola tem de se tornar para que a receita seja a mesma. Quem paga a conta são as famílias que não pedem nada.
Mudar procedimentos enraizados, em geral, costuma ser uma tarefa árdua – ainda mais quando
são práticas que envolvem parte significativa dos clientes. Muitas escolas, porém, vêm mudando de postura – e obtendo sucesso.
O primeiro passo para a mudança de procedimento consiste na absorção do seguinte conceito: a escola não precisa parar de conceder bolsas, ela só precisa criar critérios objetivos e algumas normas e procedimentos para proceder a concessão de forma conscienciosa e eficaz. Como veremos mais à frente, é de fundamental importância envolver o setor pedagógico neste trabalho.
Para quem está no estágio inicial de total contaminação da distribuição tresloucada de bolsas, pode parecer utópico. Mas as experiências bem-sucedidas mostram que a realidade se mostra longe disso. É um processo que dá resultado.
Existem 4 blocos de medidas indicadas: a) determinação de um montante de bolsas a ser concedido por curso – de preferência mais baixo do que o concedido atualmente; b) criação de um comitê de análise dos pedidos de concessão, formado por pessoas não só do setor financeiro, mas também do pedagógico; c) formatação dos critérios objetivos de concessão de bolsa; d) sistematização do processo de solicitação de bolsa, com formulários próprios e prazos bem delimitados para o pedido.
A determinação das metas de concessão é de grande importância para que a escola consiga atingir seu objetivo de final que é, além de conceder bolsas de forma mais justa, conseguir uma redução no índice consolidado de concessão. Ao delimitar o volume a ser concedido, e sendo esse volume menor do que o em vigor, fica evidenciado que a tarefa será determinar, com critérios, quais serão as famílias que terão as bolsas reduzidas. A sistematização do processo visa a atingir esse objetivo sem traumas.
A formação de um comitê composto por pessoas de vários setores da escola tem dois objetivos principais: a) retirar do financeiro o peso de ser a palavra final na análise de pedidos. Esta prerrogativa tem sido usada, na maior parte dos casos, como um elemento enfraquecedor, para a escola, no momento de negociar bolsas. Remeter a decisão para um comitê mais amplo dá mais credibilidade ao processo e impessoaliza a ação da análise de pedidos; b) envolver mais setores da escola, em especial o pedagógico, na análise e na concessão de descontos. Como veremos mais à frente, na definição dos critérios de concessão, alguns deles devem estar mais ligados à área educacional.
A formatação dos critérios objetivos de concessão é um dos passos mais críticos. Não há como fugir da análise da efetiva necessidade da família solicitante. Este passo já costuma ser bastante complexo, mas, ainda assim, deve ser encarado apenas como o primeiro passo. Para vencê-lo, é imprescindível solicitar dados que permitam a mensuração de renda e patrimônio da família. A partir daí, existem métricas que levam ao cruzamento entre renda, patrimônio e capacidade de pagamento.
O processo de análise, porém, não pode acabar por aí. Ainda que identificada, de forma absolutamente técnica, a necessidade da família com relação ao desconto pedido, existem outros fatores que podem, e devem, pesar na análise sobre concessão. Podemos mencionar alguns: a) quantidade de irmãos na escola; b) histórico de pontualidade nos pagamentos; c) situação de ociosidade da sala de aula em questão; d) desempenho acadêmico do aluno; e) postura disciplinar do aluno; f ) postura da família em seu relacionamento com a escola.
Cada um desses itens deve ser discutido, graduado e ponderado pelo comitê de bolsas. Como a meta de concessões deve ser menor do que o nível atual de descontos, a resposta final a ser dada, que é quais serão as famílias que terão os descontos reduzidos, deve ser dada a partir da análise global de todos esses indicadores.
Além de quantificar a concessão para cada família, o comitê pode trabalhar com a variável tempo. Os descontos concedidos não precisam ter a duração de um ano, podendo estar restritos a um prazo menor que permita à família se ajustar financeiramente.
Todo esse processo só se torna possível com a sistematização dos processos. Todos os solicitantes devem passar por um processo rigorosamente igual. O mínimo a ser exigido é o preenchimento de um formulário com as informações financeiras da família que justifiquem o pedido e – peça fundamental – qual o percentual solicitado de desconto, para análise do comitê. De forma anexa ao formulário, documentos adicionais devem ser pedidos, sendo imprescindível a última declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física, que se mostra o melhor indicador potencial de renda e de patrimônio.
Pela lógica do processo, fica claro que o melhor momento para sua implantação é quando da abertura de reservas de vaga para o ano letivo seguinte. As famílias devem ser amplamente informadas, logo no primeiro momento, da nova política que será adotada. Os prazos devem ser bem divulgados e – ainda mais importante – devem ser respeitados.
A Corus tem tido experiências bastante agradáveis de verificação da eficácia do modelo. As perdas de alunos por conta da adoção desse sistema se mostram eventuais e pontuais e, no final das contas, totalmente compensadas pelos ganhos obtidos pela redução na concessão de bolsas e, ainda mais importante, pela moralização do processo e seus efeitos sobre a imagem da escola sobre o relacionamento de longo prazo com as famílias. Este último ganho é substancial. É muito comum que a relação com pais novos que são, logo no início, contemplados com descontos já comece inadequada, gerando um viés que se expande para outros níveis de relacionamento, como o pedagógico.
Imagem: Michael Burrell/iStock.com