Migração de alunos para escolas públicas: será mesmo?
Fernando Barão
Paixões políticas à parte, os números da macroeconomia mostram, de forma irrefutável, que o Brasil está vivendo uma das maiores crises econômicas de sua história – talvez a maior delas. Para usar um conhecido bordão, nunca antes na história deste país o PIB teve retração por dois anos consecutivos.
É o que observamos em 2015 e 2016 – e não será por pouca coisa, não. A retração de 2015, já dimensionada, foi de 3,8%. Trata-se da terceira maior retração da história do país, perdendo apenas de 1981 (profunda crise internacional ocasionada pelos juros americanos) e 1990 (Plano Collor, com retenção, no Banco Central, de 80% do meio circulante). Em ambos os casos, a retração foi pouco superior a 4%.
Vejam lá: 2015 já foi, portanto, um dos piores anos da série histórica, comparável apenas com algumas das crises mais agudas já vividas. Bem, a isso se pode somar um segundo ano com desempenho parecido. A previsão dos analistas para o PIB de 2016 vem piorando. O mais recente relatório do FMI aponta repetição da queda de 3,8%.
Repetir dois anos seguidos com queda da ordem de 4% representa um trauma e tanto em qualquer país do mundo. E vale lembrar que em 2013 o PIB já tinha ficado estagnado. Vivemos, assim, um momento ímpar de nossa história, do ponto de vista econômico.
Nós, que trabalhamos com escolas particulares, temos o desafio de procurar medir, constantemente, o impacto dessa crise sobre o setor.
É certo que existem setores na economia em situação desesperadora. A indústria, por exemplo, retrocedeu sua participação no Produto Nacional a níveis do início da década de 50. O comércio também padece. Basta circularmos pelas vias comerciais da cidade para ver a incrível quantidade de placas de “vende” e “aluga”. A crise mudou até o panorama visual da metrópole.
Até que ponto essa situação já chegou às escolas? Muito se tem falado, em especial nos meios jornalísticos, a respeito da migração de alunos do ensino particular para o público. Federações e sindicatos patronais têm colaborado com este tese, divulgando números muitas vezes assustadores, de tão grandiosos.
Mas será mesmo? Nossa experiência contínua com o atendimento a escolas particulares mostra que, de fato, houve um refreamento no desempenho da demanda pelo setor. Desde o início da década passada até os primeiros anos da década corrente as escolas passaram por um período longo e sustentável de crescimento no número de alunos. Nosso contato com escolas e as pesquisas realizadas mostraram claramente que essa tendência arrefeceu nos últimos dois anos.
A perda na capacidade de crescimento, porém, não significa que a demanda se retraiu. Como de hábito no segmento, houve uma forte “dança das cadeiras”, com escolas ganhando e escolas perdendo alunos.
A Revista Veja São Paulo trouxe, em sua edição de 13/04/2016, uma matéria de capa a respeito do assunto, reforçando a tese da migração de alunos da rede particular para a rede pública. A reportagem mostra o depoimento de mantenedores relatando a dificuldade encontrada em manter o número de alunos. Traz até o relato de uma escola que fechou as portas. E, por fim, expõe entrevistas com algumas famílias que passam pela experiência da mudança de sistema de 2015 para 2016. Em quadros anexos, foram apontados números que confirmariam o êxodo.
O roteiro da reportagem é típico dos assuntos de cotidiano social. Algumas entrevistas, alguns fatos isolados, alguns números. Nada de anormal nisso.
Contudo, para especialistas do setor, as conclusões apresentadas não conferem com a realidade.
Em primeiro lugar, é verdade que as escolas estão com mais dificuldade em reter seus alunos. Isso é, de fato, por conta da crise. Mas elas têm conseguido manter seu número de alunos, seja através da negociação de pedidos de descontos, seja através da captação proveniente de outras escolas. O principal fator a preocupar as escolas nesse início de 2016 não é a redução de alunos, e sim a piora de indicadores de perda de receita, como concessão de bolsas e inadimplência.
Em segundo lugar, também é verdade que houve fechamento de escolas na passagem de 2015 para 2016. Mas isso não é uma novidade. Todos os anos um número considerável de escolas fecha as portas. O mercado do ensino privado é muito competitivo e as escolas têm, por uma questão estrutural, muita dificuldade em adequar sua estrutura de custos à redução de alunos. Não existe nenhum indicador, porém, que aponta na direção de que houve o fechamento de mais escolas agora, em 2016.
Em terceiro lugar, os próprios números apontados na reportagem mostram que não houve aceleração na perda de alunos da rede privada de ensino. Veja São Paulo chama a atenção para o fato de que em 2011 houve a passagem de 17.911 alunos do ensino particular para o ensino público no estado de São Paulo (considerando somente Fundamental e Médio), tendo este número passado para 21.891 alunos em 2016. A conclusão da revista é de que esse aumento de 22% no período de 5 anos confirmaria a migração.
Contudo, em 2011 existiam 1.876.748 alunos matriculados em escolas particulares de Fundamental e Médio no estado (fonte: Censo Escolar da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo). Portanto, a migração de 17.911 alunos representava 1,58% do total – um percentual, convenhamos, bastante baixo.
Em 2015, o número de alunos em escolas particulares já era de 2.350.344 (mesma fonte). Ou seja, a migração de 21.891 alunos representou um percentual de 1,62% do total de alunos – um acréscimo de apenas 0,04 ponto percentual. Ou seja, um índice que já era muito pequeno teve um crescimento absolutamente desprezível no intervalo de tempo estudado.
Essa análise estatística que considera todo o ensino privado do estado confirmou a experiência contínua da Corus e suas pesquisas com seus clientes: não houve perda de alunos nas escolas particulares por conta da crise econômica. As escolas sentiram, sim, os efeitos da crise, em especial nos indicadores de bolsas e de inadimplência – que são, como sabem aqueles que entendem do setor, profundamente importantes no orçamento de uma instituição de ensino. Isso é patente.
Mas falar em migração de alunos para a rede pública é querer criar fato novo onde ele não existe.
(Imagem: DONGSEON_KIM/iStock.com)