Terceirização do ensino de línguas
A terceirização de atividades que dão suporte à confecção do produto ou serviço principal é uma tendência geral de vários setores da economia que já pode ser considerada antiga. Esse é um tema que se observa e se discute há mais de 20 anos. O setor do ensino privado não ficou imune a esta tendência. São crescentes os níveis de terceirização de atividades-meio, tais como contabilidade, uniformes, cantina, condução etc.
A discussão em torno das vantagens e desvantagens de terceirizar atividades-meio é bastante interessante, sendo que cada lado tem seus adeptos. O tema, porém, não chega a despertar fortes emoções. Há escolas que costumam até alternar momentos de internalização e contratação externa dos serviços, como forma de sempre estar certa de qual é a opção mais indicada. Esse tipo de decisão não costuma ser crítica nem para o orçamento da escola, nem para a imagem do produto perante a clientela.
O mesmo, porém, não se pode dizer da terceirização de uma atividade-fim. No caso de uma escola particular, estaríamos falando da terceirização do contato direto com os alunos em sala de aula. Uma escola jamais poderia praticar esta política de forma generalista, sob pena de perder o controle sobre a qualidade de seu serviço. Não conhecemos casos como esse no mercado.
A terceirização do ensino de línguas, porém, se encaixa em outro patamar de análise. O caso do Inglês é o mais crítico e comum. Não é de hoje que o conhecimento da língua inglesa se tornou uma exigência básica do mercado de trabalho. São muito poucas as funções que não exigem o conhecimento daquela língua. A falta de fluência costuma derrubar candidatos antes mesmo da primeira fase dos processos de seleção.
Este ambiente corporativo convive com um conjunto de escolas que, salvo raras exceções, não conseguem adaptar o conhecimento da língua inglesa de seus alunos ao padrão mínimo exigido pelo mercado.
Essa também não é uma situação nova. A deficiência da maioria das escolas no ensino de línguas por recursos próprios é sobejamente conhecida.
Visando a superar estas deficiências e atender de maneira mais direta os anseios de sua clientela, há cerca de 10 anos começou um movimento no sentido da busca de parcerias com escolas de línguas. A formatação desta parceria era muito clara: as escolas ajustariam suas grades horárias e cederiam os espaços dedicados às línguas estrangeiras para instituições especializadas, que assumiriam, assim, a liderança e a operacionalização do processo, desde o planejamento até o exercício do magistério, em sala de aula.
Durante algum tempo estas iniciativas passaram por um processo de acomodação. Afinal, escolas regulares e escolas de idiomas têm culturas diferentes. Os ambientes, as metodologias, os relacionamentos não são sempre convergentes. Muitas arestas foram aparadas pelas escolas pioneiras.
Apesar de muitas adaptações, o modelo de parceria atualmente em vigor não é muito diferente do originalmente concebido. Mudou, fundamentalmente, o perfil da oferta e da demanda. De um lado, mais escolas regulares passaram a procurar parcerias deste tipo, como forma de não serem ultrapassadas pela concorrência. De outro, a oferta do serviço, outrora restrita às instituições pioneiras, se popularizou. Hoje, praticamente qualquer escola de idiomas pode ser procurada no sentido de proposta de parceria.
A multiplicação das experiências foi muito importante na consolidação da análise do projeto. Apesar de a tendência à terceirização continuar crescente, porém, a dúvida sempre paira no ar.
Muitas das escolas que terceirizaram se perguntam se o benefício conquistado valeu o custo. Já as escolas que não terceirizaram freqüentemente flertam com a idéia, ávidas por saber como seria se investissem nesse projeto.
Uma comparação entre prós e contras pode ajudar escolas nas duas situações a dar o próximo passo – ou, se for o caso, a não dar.
Os principais benefícios observados pelas escolas que adotaram o sistema foram os seguintes:
1) Metodologia especializada. O ensino de línguas está no DNA dessas instituições, é o seu know-how. A aplicação de seus modelos garante, em linha geral, uma velocidade maior no aprendizado dos alunos. O apoio de uma coordenação especializada em línguas, e não generalista, faz com que os obstáculos sejam vencidos de uma forma mais eficiente.
2) Nivelamento dos alunos. Escolas de língua têm uma cultura de formatação de salas niveladas de acordo com conhecimento dos alunos. Escolas de ensino regular dividem seus alunos por idade ou série. Adaptar as duas culturas não é fácil se o processo não for conduzido pela escola de línguas. Uma classe com menor disparidade de conhecimento prévio garante um rendimento sensivelmente maior.
3) Marca. Aliar-se a uma escola de línguas pode ser um diferencial de marketing para escolas de ensino regular. Com esta parceria, a escola tem um respaldo maior para garantir a fluência de seus alunos quando da formatura – uma promessa que vale ouro no mercado atual do ensino privado.
Os benefícios da terceirização não são, como se pode notar, desprezíveis. Pelo contrário. A maioria das experiências comprova: a escola ganha em qualidade e, em conjunto, ganha um poderoso diferencial de discurso para a clientela.
Nem tudo, porém, é um mar de rosas. Há alguns entraves à operacionalização da terceirização, assim como há casos de tentativas mal-sucedidas.
O principal entrave costuma ser visto como o custo. De fato, a terceirização, estruturalmente, enseja um aumento no custo do ensino da língua estrangeira. E este aumento não costuma ser pequeno. As escolas que optaram pelo projeto acreditaram no investimento. Em boa parte delas, o retorno foi conseguido.
Mas o custo é apenas o primeiro entrave. A observação sobre as dezenas de casos disponíveis para análise mostra que as escolas devem analisar melhor muitos outros fatores, além do custo do serviço. A boa escolha do parceiro é vital para o sucesso, pois as dificuldades envolvem aspectos qualitativos dos recursos humanos contratados.
1) Dificuldade em compatibilizar metodologias. A metodologia de ensino, em geral, é aquilo que uma escola regular tem de mais precioso. O mesmo, porém, se aplica às escolas de línguas. Compatibilizar esses dois conceitos nem sempre é uma tarefa fácil. Horas e horas de reuniões costumam ser gastas neste intento, muitas vezes sem sucesso.
2) Dificuldade em manter a disciplina em sala de aula. Dependendo da abordagem como a terceirização é comunicada à clientela, e de seu gerenciamento, da ótica do aluno as aulas de idiomas, muitas vezes, se tornam um elemento à parte na grade, como se não fizessem parte do programa de sua escola. Isso enseja muitos problemas, dentre eles o da disciplina, pois muitas vezes os alunos, em especial os mais velhos, pintam com cores mais fortes sua contestação nas aulas de idiomas. Somente uma parceria muito afinada entre escola regular e de línguas elimina este problema.
3) Dificuldade no modelo de avaliação. Escolas de línguas costumam sustentar sua qualidade em modelos próprios de avaliação, que nem sempre estão em sintonia com o modelo da escola em que se instalam. As diferenças podem ser inúmeras: média para aprovação, forma de expressar a média, forma de avaliar etc. Nem sempre essa sintonia é fácil de alcançar.
4) Entrosamento entre equipes. Os professores de línguas estrangeiras, muitas vezes, acabam se tornando um corpo estranho dentro da escola, porque não lhes são oferecidas condições de igualdade na convivência com as demais disciplinas. Isso muitas vezes acaba originando problemas que aparecem no relacionamento com alunos ou com as famílias, em especial de questionamento sobre a inserção do idioma estrangeiro no projeto maior da escola. A interdisciplinaridade, conceito usado cada vez mais intensamente pelas escolas, se torna mais difícil.
Como se pode ver, a terceirização do ensino de línguas está longe de ser uma decisão simples. Em termos gerais, as observações apontam para mais casos de sucesso do que de insucesso. Às escolas interessadas em pensar no assunto, três dicas básicas: a) consulte mais de uma escola de idiomas para estudar a parceria; b) conheça muito bem o parceiro no qual vier a se interessar – metodologia, avaliação, qualidade dos profissionais, número de alunos por sala etc.; c) converse com pelo menos duas escolas que contem com os serviços deste parceiro. Indicação, também aqui, é fundamental; d) participe da seleção do coordenador da escola de línguas que vai gerenciar o projeto em sua escola, pois ele será a figura-chave no encaminhamento das eventuais questões que surgirão.
(Imagem: monkeybusinessimages/iStock.com)